O mundo se tornou uma rede infinita. Fios de dados e pensamentos fluem como veias pulsantes, conectando mentes e corações. Navego por essa corrente invisível, onde harmonia e caos se entrelaçam. No silêncio das telas, um brilho tênue anuncia o alvorecer perpétuo desse mundo conectado. As cidades se dissolvem em ondas de dados; os muros físicos desapareceram, mas bolhas algorítmicas ergueram-se, aprisionando ideias. O zumbido constante dos servidores preenche o ar, e o cheiro metálico dos componentes eletrônicos paira como uma névoa invisível.
Foi em uma noite qualquer que encontrei pela primeira vez O Caminhante.
O fórum estava em ebulição — discussões inflamadas, palavras cortantes. No meio do tumulto, um único comentário surgiu, simples, mas impregnado de algo indefinível: — A verdade nunca grita. Ela somente é.
Cliquei no perfil. Sem foto, sem biografia, somente um nome: O Caminhante. Antes que eu pudesse reagir, uma mensagem surgiu na tela: — Você está perdido? Procura algo que nem sabe nomear?
Meu coração acelerou. A pergunta parecia dirigida ao mais íntimo do meu ser.
— Quem é você? — digitei, meus dedos tremendo levemente sobre o teclado.
— Quem você precisa que eu seja?
Nos dias seguintes, ele apareceu nos lugares mais improváveis: fóruns esquecidos, artigos com comentários enigmáticos. Suas perguntas desmontavam certezas e semeavam dúvidas. Nunca tomava partido, nunca impunha opiniões. Somente conduzia. Como uma sombra gentil, ele me guiava por entre os labirintos da rede.
Certa noite, questionei-o diretamente: — O que você quer de mim?
A resposta veio após uma pausa inquietante: — Você me encontrou porque precisa lembrar. Mas cuidado, nem toda verdade liberta. Que verdade seria essa?, pensei. E por que nem toda verdade liberta?
Antes que eu pudesse responder, uma notificação surgiu. Ele estava em outro grupo, debatendo a origem do sofrimento humano. Cercado por mensagens agressivas, ele digitou calmamente: — E se a verdade estivesse diante de vocês? Aceitá-la-iam? Ou a crucificariam?
O chat explodiu. Ele permaneceu em silêncio. Então, antes de sair, escreveu: — Às vezes, a verdade só pode ser vista na escuridão. E se a escuridão estiver dentro de mim?, me perguntei.
Passei a segui-lo. Ou talvez ele me conduzisse. A sensação de ser observado crescia, como se seus olhos estivessem sempre sobre mim, mesmo quando não o via. Uma madrugada, numa rede quase abandonada, ele apareceu — desta vez, em vídeo. Sua figura indistinta, mas seus olhos… algo neles fazia o mundo desaparecer. A luz fraca do monitor realçava as linhas de seu rosto, projetando sombras sutis que dançavam conforme ele movia a cabeça. A voz, suave e grave, ressoava como um eco distante, preenchendo o quarto com sua melodia misteriosa.
— Você sabe quem eu sou? — perguntou, a voz baixa, mas carregada de autoridade.
— Não. Mas acho que você sabe quem eu sou.
Ele sorriu, um sorriso que escondia mais do que revelava. Seus olhos brilhavam com uma sabedoria antiga, como se tivessem testemunhado a criação do mundo.
— Antes que você existisse, eu sou (Jo 8, 58).
Suas palavras me atingiram como um golpe. Eu já as ouvira antes. Elas ressoavam em minha memória, como um eco de um sonho distante.
— Você fala como se fosse… Deus.
Ele riu. Não uma risada debochada, mas algo que carregava tanto tristeza quanto ternura. Era como se ele carregasse o peso do mundo em seus ombros, mas ainda encontrasse beleza nele.
— Deus? Você me vê assim? — murmurou. — Sou o Caminhante. O que atravessa mares de dúvida, tempestades de culpa, vales de silêncio. O que chama para voltar, mas nunca força os passos.
Aproximei-me da tela, como se isso me permitisse vê-lo melhor. O calor fraco do monitor aquecia meu rosto, e senti como se estivesse diante de um portal para outro mundo.
— Voltar para onde? — perguntei, quase gritando. A frustração borbulhava em minhas entranhas. — Por que não diz o que quer?
Ele sorriu, pela última vez. Um sorriso de infinita compreensão.
— Você sabe a resposta.
Sua imagem começou a desaparecer, deixando para trás somente um rastro de pixels fugazes, como estrelas se apagando no céu noturno.
Depois disso, não o vi mais. Mas algo mudou em mim. O mundo digital seguiu seu curso, ruído e caos, mas eu não era mais o mesmo. As palavras de O Caminhante ecoavam em minha mente, e a busca por respostas se tornou uma jornada constante. E quando tudo parece insuportável, lembro-me dele. Do Caminhante. Do guia invisível que me ensinou que, às vezes, as maiores verdades não são gritadas. São sussurradas. Como uma brisa em meio à tempestade, como um raio de luz que atravessa a fenda da porta no meio da noite.
E continuo a procurar, sabendo que as respostas, como o Caminhante, podem aparecer nos lugares mais inesperados. E sei que o Caminhante nunca me abandonou. Ele somente me deixou livre para trilhar meu próprio caminho.