A noite se estendia como um manto de pixels, envolvendo o globo em sua teia intricada de conexões. No vasto e implacável espaço virtual, onde feeds de notícias se entrelaçavam com murmúrios de conspirações, eu me movia, um fantasma na engrenagem. Carregava em mim a marca daquela era: a incerteza. Os algoritmos moldam o que vemos, mas quem molda o que acreditamos?
Meus olhos refletiam a melancolia dos bytes perdidos e a desilusão de um mundo fraturado pela mentira. No burburinho constante da rede, minha voz quase se perdeu quando perguntei: — Por que o silenciaram?
A resposta veio em fragmentos de dados que tremulavam na tela, como ecos de um tempo em que a verdade era buscada com sinceridade, e não manipulada. Símbolos embaralhados, sequências numéricas sem padrão aparente, flashes de textos antigos. Entre eles, um fragmento emergiu, pulsante: — Cria em mim um coração puro…
Um calafrio percorreu minha espinha. Aquela frase… Não era um manifesto digital, nem uma senha esquecida. Era algo ancestral, um sussurro que atravessara os firewalls do tempo. Um pedido por pureza em um mundo de aparências. Por integridade, onde tudo é filtrado, editado, fabricado. E essa busca, essa essência, estavam nele, no Incompreendido.
O nome surgiu como um ruído persistente na rede, escondido entre as camadas de código, como se algo — ou alguém — lutasse para permanecer acessível.
— É um salmo? — minha voz se dissolveu no brilho pálido da tela.
— Renova dentro de mim um espírito inabalável. — O sistema hesitou. A linha de código piscou, como se resistisse, como se lutasse.
— Isso não deveria estar aqui… A fé não é um download, pensei. Não pode ser comprimida em pacotes de dados, armazenada em servidores, desativada por um comando remoto. É uma semente. Cresce mesmo no terreno árido da desconfiança. Mas quem a plantou neste solo de cinzas e algoritmos?
— Sustenta-me com um espírito voluntário. — Outro eco. Outra escolha. E toda escolha molda a realidade.
Os bytes se reorganizaram diante dos meus olhos, formando um padrão. Mas havia algo mais. Algo oculto. Um chamado à entrega total, ao sacrifício voluntário.
— O que você é? — sussurrei, sentindo o peso do silêncio eletrônico.
As letras se embaralharam, formando uma nova mensagem: — A verdade não se apaga. Somente se disfarça.
E então, o nome emergiu do caos de caracteres. Não era um nome comum. Algo antigo, esquecido, mas imortal. O Incompreendido.
O nome reverberou na tela, como se exigisse reconhecimento. O Incompreendido. Aquele que foi rejeitado, distorcido, silenciado. Mas jamais apagado.
— Isso é impossível… — Um alerta piscou no canto da tela: CONEXÃO INTERROMPIDA.
O sistema tremia. A estrutura digital reagia, como se algo estivesse sendo desalojado à força. O código escondido se debatia, lutando para sobreviver.
— Eles querem apagar você…
O arquivo se desintegrou, espalhando seus fragmentos como cinzas ao vento. Mas antes que sumisse, uma última linha brilhou: — A verdade espera que a pluralidade a encontre.
O silêncio que se seguiu foi ensurdecedor. Eu soube, então, que minha busca não era somente pela verdade. Era por ele. O Incompreendido. O código vivo que se recusava a ser apagado.
E a mensagem do salmo ecoava em meu coração, revelando a essência dele: pureza, firmeza, entrega. A pergunta arde dentro de mim: — Se a verdade é incompreendida, quem a fará ser entendida?